domingo, 29 de julho de 2007

Entrevista - Simbolo

Simbolo é um dos pioneiros e grande nome da Electronic Body Music (EBM) brasileira. O projeto foi criado em 1989, em São Paulo, por Martin Neto e teve três discos memoráveis (Lé Sacré Du Printemps, Music From the Masses e In The Danger Zone) lançados pelo saudoso selo Cri Du Chat Records, além da participação em várias compilações internacionais.

Apesar das enormes dificuldades de se tocar um projeto underground no Brasil, Simbolo conseguiu reconhecimento de nível internacional devido a excelente qualidade de suas composições, que aliavam a eletrônica pesada com tons épicos a vocais monstruosos e batidas contagiantes. Até hoje é comum encontrar elogios ao trabalho do Simbolo em fórums de revistas especializadas como side-line.com.

Este blog teve a sorte de entrevistar, via e-mail, o homem por trás do Simbolo: Mr. Martin Neto.

Simbolo ao vivo

1. Fale-nos um pouco sobre a origem do Simbolo. Quando surgiu e quais as influências do projeto?

Era 1986 e eu comprei um "synth" e uma "drum machine" da Roland. Fazia colagens sonoras e gravava tudo em fita K-7. Um amigo meu - Flavio - que também fazia música eletrônica, gostou das minhas faixas e nos propusemos a montar um projeto. Fizemos alguns shows em teatros. Aí nascia o Simbolo. Dei esse nome em função da força da palavra e da imagem. Desenhei o logotipo que continua até hoje. Eu era estudante de belas artes e apaixonado pela história da arte soviética.
Nessa época minhas referências eram Kraftwerk, Depeche Mode, Philip Glass, Jean Michel Jarre e Cabaret Voltaire, mas eu praticava uma música com estrutura muito dura, com ritmos quadrados e sons de cordas. Fui descobrir que fazia EBM em 1988 quando me envolvi com o pessoal da loja Cri Du Chat. Disques. O Eneas Neto e o Maurício Bonito me mostraram muitas bandas que não conhecia até então, inclusive Front 242 e Nitzer Ebb. Meu trabalho começou a ficar mais agressivo e pesado, principalmente por causa do vocal. O Flávio não gostou de tocar em casas noturnas e suas músicas não cabiam mais dentro do projeto, então decidiu sair. Fiquei sozinho no Simbolo.


2. O Harry lançou um box com material de estúdio, remixes e faixas não lançadas oficialmente. Existe alguma chance de termos novos lançamentos do Simbolo? E por falar nisso, o Simbolo acabou oficialmente?

Gostei muito do lançamento do box do Harry porque faz justiça ao trabalho e à sua importância histórica. Existe sim a possibilidade de um novo trabalho do Simbolo pois tenho material pra isso.
Na verdade como eu nunca parei de compor, o Simbolo nunca acabou. Eu só não tinha mais tempo suficiente para me dedicar e ainda por cima dava muito trabalho levar o Simbolo para o palco.


3. O Sr. tem novos projetos de música eletrônica além do Simbolo? Em caso afirmativo, quais as características e sonoridades desses novos projetos?

Tive fases bem criativas musicalmente mas as produções inerentes a esses períodos não cabiam dentro do Simbolo. Me apresentei junto com o VJ Spetto no Centro Cultural Itaú fazendo um tipo de Lounge e alguns covers dos anos 80. Usei apenas softsynths com uma sonoridade bem digital.
Tenho também um trabalho de Downtempo usando vozes telefônicas e chamei de Projeto M. Nesse projeto uso uma "drum machine" Korg que faz modelação analógica e também uso dois módulos: E-MU Orbit e E-MU Planet Phatt. As vozes são captadas de celular. Também fiz apresentações em clubes com versões mais Future Pop das faixas do Simbolo. Nesse caso usei um Yamaha CS6X. E antes de tudo isso montei o primeiro Depeche Mode Cover, no começo dos anos 90 com uma sonoridade anos 80.

4. Como é o seu processo de composição? Quanto tempo leva, em média, para compor uma música do Simbolo?

Geralmente começo com uma frase melódica de 4 ou 8 compassos. Vou acrescentando contra-melodias em "layers", criando assim variações do mesmo tema. Depois de mais ou menos 6 variações, começo a estruturar a faixa para ter uma idéia de começo, meio e fim. Vou deixando espaços para o vocal. As letras deixo para o fim, quando vou lapidando e retirando os excessos. Pode levar 2 dias ou 2 semanas. Depende do empenho.

5. Qual a temática principal das letras do Simbolo? Existe algum(ns) tema(s) que o inspire na hora de escrever as letras?

Atualmente tento desenvolver uma maneira de compor as letras sem precisar da rima. Prefiro usar a força das palavras e das frases de modo a construir uma imagem subjetiva na mente do ouvinte. Meu tema principal sempre foi a violência, seja ela na sociedade, na igreja ou na política.


6. Quais equipamentos o Sr. geralmente utiliza em estúdio e ao vivo?

Nos primeiros anos do Simbolo eu levava para o palco todo o set-up de estúdio. Isso porque eu tinha que ensaiar muito para poder tocar ao vivo, já que toda a parte de teclados era feito na mão. Com a entrada do computador no estúdio, pude acrescentar mais instrumentos MIDI e dessa forma ficou impossível levar todo o hardware para o palco. Uma parte era gravada e outra feita ao vivo. Mas tudo ficou mais fácil quando você tem softsynths dentro de um laptop. A próxima apresentação em agosto, no Lady Hell, vou fazer no formato Live, misturando hardware, software, vocoder e gravação. Tudo via MIDI. Vou tocar faixas principalmente o primeiro CD e quatro covers - Kraftwerk, Depeche Mode, Blondie e Sisters of Mercy.

7. Atualmente, o uso de sintetizadores em software (soft synths) tornou-se muito popular. Entretanto, alguns artistas EBM torcem um pouco o nariz para o uso de softwares no processo de composição. O que o Sr. acha de compor utilizando somente softwares? Em outras palavras, vê alguma vantagem e/ ou desvantagem neste método?

O meu problema com softsynths é a sonoridade da percussão. Mesmo os sampleados. Nada contra outros sons. Então comecei a colecionar "drum machines" que dão mais conta do recado e muitas delas são dos anos 80/90. Eu gosto muito da Alesis SR-16 e da Roland R8.
Meu processo de composição não mudou desde 1988 embora eu tenha tentado outras maneiras que não renderam tão bem. Eu não componho com softsynths. Uso um Roland Alpha Juno 1 e uma bateria Roland TR-707 que são os mesmos instrumentos com os quais gravei o primeiro CD em 1991.

8. A sonoridade do Simbolo começou orientada para o EBM com toques épicos, e pareceu incorporar elementos de rock industrial com o passar do tempo. Realmente ouve a incorporação de elementos desse estilo no som do Simbolo? E isto foi intencional?

Tudo foi intencional muito embora eu tenha errado em vários pontos. A transformação de disco para disco era brutal e acabei irritando os fans. Não houve o cuidado de incorporar elementos novos e ao mesmo tempo proteger a linguagem original que marcou o Simbolo. Sei que evoluí no ponto de vista técnico, mas meus trabalhos preferidos são aqueles que foram feitos de forma mais crua e sem tanta lapidação. Se é que a gente aprende com os erros, tento evitar isso nos trabalhos futuros.

10. Nos anos 90 vimos uma grande popularização da música eletrônica através de estilos como techno, trance, break beat, etc. Entretanto, o EBM continuou um estilo underground e restrito a círculos de iniciados. Na sua opinião, qual seria a razão disso? Existiria alguma chance de reverter esse cenário?

EBM é um termo muito genérico. Se for levar em conta que Música Eletrônica para o Corpo - só pode ser para dançar, e não qualquer outra coisa - é para as pistas, eu arriscaria dizer que até os Pet Shop Boys fazem um tipo de EBM. Aliás, os PSB é para mim a primeira banda de Future Pop. Acontece que a música que nós entendemos como EBM contém elementos, inclusive conceituais, que só são facilmente digeridos por algumas pessoas que têm um determinado gosto. É fácil ver algum fanático por techno e trance que também goste de EBM, mas o contrário é muito difícil, quase impossível. Por isso eu acredito que a EBM ainda vai ficar morando nos porões do underground por muito tempo.

11. Como o Sr. vê a cena eletrônica atualmente? Existe algum novo grupo (ou estilo) de música eletrônica que lhe agrade mais hoje em dia?

A cena eu acho fraca. Estamos longe de viver de novo o que aconteceu nos anos 80. Tem bandas antigas e outras novas que eu gosto mais ou menos mas não a ponto de ficar maluco por ela. Minha forma de ouvir coisas novas é pelo i-Tunes. Compro só os clássicos, que marcaram época.
É muita informação e prefiro me ater sobre detalhes de produção, truques de mixagem, etc...

12. Como se deu a escolha do título do 1o. album (Le Sacré Du Printemps)? O Sr. é fã de Stravinsky?

Sim, sou fã não só de Stravinsky como de Wagner também. Na época eu lia o livro The Rite of Spring de Modris Eksteins que apontava na obra de Stravinsky a passagem da música para a era moderna.
Até então, as obrigatoriedades da música clássica era colocar a melodia e a harmonia acima do ritmo. Stravinsky inverteu essa hierarquia e fez o ritmo prevalecer. EBM é isso.

13. Na sua opinião, ainda vale a pena investir tempo e dinheiro na música alternativa no Brasil? Qual conselho vc daria para aqueles que cogitam essa possibilidade?

Vale a pena sim. Trabalhe, trabalhe, trabalhe e tenha paciência. Não desanimar com a falta de estrutura. Faça por você mesmo, agrade a você mesmo e invista em você mesmo. O reconhecimento virá e será uma questão de tempo. A própria experiência de fazer já tem o seu valor. Já é um cachê.

2 comentários:

David Giassi disse...

Olá, sou tecladista e vocalista da banda Modus Operandi (Industrial/Pós Punk)e quero deixar aqui alguns links nosso para sua apreciação:

www.modusweb.blogspot.com www.fotolog.net/modus_operandi
www.myspace.com/modusweb

Obrigado e qualquer coisa entra em contato, ok!

Eneas Neto disse...

Bem bacana a entrevista, parabéns!
O Simbolo está no line up do Machina Festival II que acontecerá no dia 30/11 em SP. Se puder, passe por lá ;-)

http://www.machinafestival.com.br